sábado, julho 13, 2013

Sobre pessoas que não sabem amar

Fui ontem à uma consulta médica. Aquelas coisas, entrei, cumprimentei, me identifiquei e sentei. E aí vejo na sala de espera um pequena pilha de panfletos rosinha. Era um grupo de apoio para ajudar pessoas a largarem um vício. Eu preciso admitir que tenho um certo fascínio por grupos de apoio. Talvez isso tenha aflorado de verdade depois de ter visto Clube da Luta, mas isso tudo vem de antes. Em primeiro lugar, para mim ao menos, grupos de apoio tem aquele magnetismo de histórias policiais. É o tipo de lugar que todos querem nunca precisar ir, mas este universo proibitivo, naturalmente, exerce fascínio. Sim, eu sei, besteira minha, mas fazeuquê? Entretanto, o que mais me cutuca é a possibilidade de uma conversa franca. Quem vai falar, está ali pra deixar suas máscaras caírem no chão, assumir seus erros e olhar sua trajetória com coragem e dignidade, apesar de todos os erros; e quem está sentado a volta vai simples e realmente escutar. Pra mim, mora exatamente aí o mecanismo do apoio, quem fala é honesto, quem ouve é aberto, e ninguém está lá para julgar ou para ajudar exclusivamente ao outro no mais puro ato filantrópico e desprendido. Todos dão e recebem, ajudar ao outro significa me ajudar. Ah, sim, aí tinha esse panfleto do vício, né? Este foi o fato que mais me inquietou. Se intitulava Mulheres que amam demais anônimas, ou MADA. É o tipo de coisa que ao bater o olho, uma pequena turbulência interna acontece; e isso pouco importa de qual sexo você seja. Algumas coisas se chocam, algumas perguntas se formam, algumas certezas caem e - invariavelmente - por um minuto você se pergunta se você não precisaria daquilo. Justo você, forte, absoluto, seguro, com auto-estima, que conseguiu construir uma vida sem vícios. A gente ouve aquele "será mesmo?", nossa definição de vício vira um cogumelo de poeira, que explode, expande, e começa a cobrir tudo de uma camada fina que você não queria que estivesse ali. Estiquei uma mão, abri o panfleto e li ele todinho até o fim. Numa era de smartphones, isso beira o elogio. Passei pelo questionário, com perguntas que precisam de ao menos 5 segundos antes de receberem uma resposta verdadeira. Eram sobre a frequência de ligações durante um dia, da desconfiança de fidelidade, da insistência em agradar sempre os outros, dos cuidados excessivos, de controle excessivo numa relação e a necessidade de assumir responsabilidades demais. Uma coisa que fica delineada é a possível tendência de não estar em contato com a realidade, seja através de discursos, atitudes e sentimentos. Muito pra se pensar, viu? Muitas referências se cruzam na cabeça diante desta leitura; personagens de histórias clássicas que são pura poesia, letras de música, jargões que mulheres que amamos em algum momento nos disseram diante de alguma queixa que fizemos, queixas que ouvimos de amigos e outras pessoas próximas de seus relacionamentos e o que esperavam das mulheres que estavam com eles. Muita turbulência concentrada em tão pouco tempo, em uma pessoa tão pequena, numa mera sexta de manhã. Troquei algumas palavras com a secretária a minha frente sobre minha leitura, ela contou como aquela pilha havia ido parar ali e da reação das pessoas, "sempre pegam um, às vezes quem você menos espera". Trocamos um silêncio e eu disse em tom de brincadeira "sabe se tem algum grupo de apoio para homens?". Ela riu, "devia, né"? Só o tom era de brincadeira. A princípio me veio à cabeça o oposto simétrico, homens que amam de menos, que provocam a desconfiança na parceira ou concretizam a infidelidade, que não querem nunca agradar sua companheira, que não assumem responsabilidades, nem têm qualquer cuidado. E seguindo esta linha, cheguei ainda mais longe, nos homens que odeiam demais. Que cultivam raiva, ódio e ressentimento excessivo daquelas que já estiveram com eles, que difamam ou agridem verbal ou fisicamente, que precisam subjugar a qualquer preço uma mulher que cruze se caminho, que chegam às raias da loucura através de uma violência sexual ou assassinato daquela que os deixou. Infelizmente é fácil demais de se ver casos assim na mídia.
Sim, existem mulheres que precisam frear sua ânsia de serem-felizes-para-sempre como ensinado nos livros pra criança. Precisamos mesmo entender que os caminhos de uma relação - qualquer que seja - são construídos por duas pessoas e ambas têm igual parcela de participação, que fazer concessões não é engolir sapo ou se anular. E fazer um grupo de apoio para isso é ótimo, é chamar a atenção para este aspecto e jogar um pouco de razão nele.
Mas se as relações são feitas por ambos os sexos, não caberia também jogarmos um pouco de luz do outro lado? Creio que aí mora o caminho da calibragem das coisas. Se eu procurasse, seria eu capaz de encontrar um panfleto que tentasse ao menos orientar homens a quebrar seus comportamentos mais nocivos, ou simplesmente incômodos? Talvez você esteja me lendo e achando que isso é mais um daqueles manifestos de moças na casa dos 30 de saco cheio de homens. Se eu disser que não, alguém vai argumentar que minha idade não deixa mentir. Engraçado como na cabeça do povo, ter trinta e estar de saco cheio de homens andam lado a lado. Mas não, não falo isso de qualquer mágoa que eu possa ter, não; embora negar isto não me ajude. Mas oquêi, não vou ficar desenvolvendo o que eu acho. vou mudar de foco.  Curiosamente, uma das várias páginas da internet que acompanho pubicou hoje o link de um vídeo em que um comendiante no seu número de stand up fala do quanto de coragem uma mulher precisa ter para sair com um homem, já que as estatísticas dizem que a maior ameaça à elas são eles. Ri, sim, porque o cara é bom, e achei bem inquietante. Esta verdade estrapola as fronteiras das mágoas femininas. E mais, tiro o meu chapéu para como Louis CK não fez piadas que reforcem práticas machistas e depreciativas; pelo contrário, falou de algo muito sério sem fazer pouco de nada, foi muito inteligente.
E aí, voltando ao apoio a se dar às mulheres, a gente até fica com medo de se confrontar com uma questão incômoda.
Olhemos de volta para o grupo de apoio das mulheres, nos perguntamos sobre vícios e níveis de dependência, e esbarramos com uma pergunta incômoda, que dá quase medo de perguntar. Como saber se o problema está no excesso de amor ou no ser amado?


Caso alguém tenha se interessado pelo grupo, mais informações estão disponíveis clicando aqui.
Atualizado em 17/07: num dos comentário para esta postagem, foi postado o link do DASA, que apoia ambos os sexos em diferentes tipos de vício em relacionamentos. Como esse tipo de coisa precisar e merece ser divulgada, posto aqui, e agradeço ao autor do comentário pela indicação. Bom saber que iniciativas de apoio estão crescendo e se desenvolvendo!

2 comentários:

Anônimo disse...

Talvez o problema esteja em ambos. O mundo nao é preto nem tão pouco branco, ele é cinza.

Roubert disse...

Existe um grupo anônimo chamado DASA, que apoia tanto homens quanto mulheres, em estado de vício mental, emocional ou sexual em relacionamentos. Nunca participei, mas conheço gente que sim. http://www.slaa.org.br/br/index.htm